“Imagine 10 mil homens descendo dos céus, em muitos lugares. Que governante teria condições de dispor de tantos homens para a defesa, uma vez que todo o seu território seria um alvo em potencial? Quanto terror estes soldados do ar não causariam, antes que alguma forma pudesse ser reunida contra eles?” A frase não é do General MacArthur, nem de Von Manstein, nem de Zhukov. É do pacifista Benjamim Franklin (1706-1790), embaixador dos Estados Unidos na França e dos maiores inventores de seu tempo.
Já naquela época, em carta para seu amigo e também cientista Jan Ingenhousz (1730-1799), ele imaginava soldados lançados de balões. Conversa de cientista louco? Nem tanto. Duzentos anos depois, a França, o mesmo país em que Franklin escrevera essa carta, seria palco de uma operação idêntica à imaginada por ele. Na noite de 05 de junho de 1944, cerca de 12
mil homens paraquedistas das 82ª e 101ª divisões aerotransportadas
saltaram atrás das linhas alemãs na Normandia. Graças às ações decisivas desses soldados na retaguarda inimiga, o contingente principal pôde desembarcar nas praias sem o risco de um contra-ataque fulminante.
Loucos Pioneiros
Mas os paraquedas não foram uma novidade de surgiu na cabeça de Franklin.
As primeiras experiências com equipamentos similares datam do século
9º, Península Ibérica. Na época, a região, sob o domínio árabe, era um
dos centros tecnológicos do mundo. E foi ali, em Córdoba, em 852, que
Armen Firmen, uma espécie de cientista, tentou alçar voo, atirando-se no vazio do alto de uma torre. Usava apenas uma estrutura de madeira e linho. A decolagem, claro, foi um fracasso. Mas, graças ao pano, a queda foi suavizava e o audaz sofreu apenas alguns arranhões.
Quem não teve
a mesma sorte foi Abbas Abn Firnas, que tentou o mesmo feito em 1178,
em Constantinopla, mas acabou quebrando vários ossos e morreu. Há quem
diga que foram os chineses, no século 12, os primeiros a usar essas
engenhocas regularmente. No ocidente, no entanto, os primeiros esboços de paraquedas são atribuídos a Leonardo da Vinci.
Mas o primeiro teste prático do
aparato foi realizado pelo inventor, humanista e tradutor croata Faust
Vracic. Em 1617, ele pulou de uma torre em Veneza com um paraquedas quebrado, em vez de redondo, e autodenominou-se homo-volans (“Homem Voador”).
O interessante pelo artefato que aparava a queda de homens só aumentou muito tempo depois,
já na era iluminista. Em 1783, os irmãos Montgolfier inventaram o
balão. No mesmo ano, o inventor francês Louis-Sabastién Lenormand restou
o que seria o primeiro paraquedas da História moderna, um aparato de pouco mais de quatro metros diâmetro. Dez anos depois, seu compatriota Jean-Pierre Blanchard foi o primeiro homem a pular com sucesso de paraquedas de um balão, não exatamente porque quisesse, mas porque a lona se rompera.
Nessa época, Blanchard também começou a pensar num protótipo mais leve e compacto – até então, os paraquedas eram feitos com madeira e linho, e não eram dobráveis. A saída lógica foi usar a levíssima seda. Mas quem deu o salto para a fama foi André Jacques Garnerin. Em 22 de outubro de 1789, utilizando uma sede de sete metros de diâmetro, parecido com um guarda-chuva, ele pulou de uma altura de 2500 metros. O salto foi um sucesso. O novo equipamento precisava só de um ajuste, pois oscilava por não ter saída de ar
no canopi (a abóbada do pano). A solução foi abrir um pequeno furo no
centro, criando uma espécie escoadouro para o ar e, assim, dando
estabilidade ao dispositivo.
O Paraquedas vai à Guerra
Durante o século 19, várias
melhorias foram implementadas, como os arreios (1887) e a mochila para
guarda-lo nas costas (1890). Em 1912, o capitão do Exército
norte-americano Albert Berry saltou pela primeira vez de uma avião – outro invento ainda em pleno desenvolvimento. Nascia aí uma parceria entre os paraquedas e as Forças Armadas.
A primeira ocasião em que ele teve
uso militar foi na Primeira Guerra Mundial. Naquela época, especialmente
na fase inicial do conflito, os correções para os tiros de artilharia ficavam a cargo de observadores
instalados em balões. “Eles eram essenciais para direcionar o trabalho
dos canhões, e ambos os lados sabiam disso. Tornou-se comum enviar
esquadrilhas de caças para abater esses balões e ‘cegar’ a artilharia inimiga. Quando isso acontecia, a única forma de os observadores fugirem a tempo era pulando dos balões de paraquedas”, conta a professora especializada em História Militar Mary Kathryn Barbier, de Southern Mississippi University, dos Estados Unidos.
Se os observadores tinham a chance de salva suas vidas usando o artefato, o mesmo não podia se dizer dos pilotos. No início do conflito, em forças como a RAF, eles eram proibidos de usar o equipamento. O argumento oficial era que o paraquedas pesava demais e não era confiável. O motivo real, no entanto, escondia uma sombria tática de guerra: a chance de ser salvo roubaria do piloto a garra necessária para combater, segundo o historiador Artur G. Lee, autor do livro No Parachute: a Fight Pilot in Warld War.
A metaliade só mudou em 1917, pelo menos no lado alemão, quando o Alto Comando perceu que era mau negócio perder uma piloto treinado, apenas porque ele não tinha esse dispositivo à mão. Foi graças a uma paraquedas, aliás, que a vida de Ernst Udet, o segundo maior ás alemão do conflito, com 62 abates confirmados (atrás do Barão Vermelho, com 80), foi salvo. No dia 29 de junho de 1918, faltando apenas cinco meses para o término do conflito, de colidiu contra uma Breguet durante uma investida e conseguiu saltar. Para seu desespero,
porém, o paraquedas só abriu a 75 metros do solo. O ás germânico acabou
com o tornozelo fraturado, mas a sua vida estava salva. Na RAF, quando a
mudança foi implementada e os guardian angels (anjos da guarda, como eram chamados os paraquedas desenvolvidos
pelo engenheiro inglês R. E. Calthop) foram finalmente entregues aos
pilotos, a guerra já havia praticamente acabado.
A Infantaria vem do Ar
O entre guerras foi o período de forte desenvolvimento das unidades paraquedistas. Nos Estados Unidos, o maior entusiasta foi o Brigadeiro Willy Mitchell, que conseguiu que o governo instaurasse uma fábrica de produção em Daytona. Ohio. Ali foram desenvolvidas
técnicas que simplificaram o salto – como a famosa cordinha que,
entrelaçada ao avião e ao equipamento, o fazia abrir instantaneamente
após o salto, permitindo saltos a baixa altitude. Outros países, como União Soviética, Itália e Alemanha, também demonstraram grande entusiasmo militar pelo dispositivo. Em 1927, tropas italianas realizaram, com êxito, o primeiro salto coletivo de uma Unidade, em Milão (nascia ali o embrião da famosa divisão Folgore). Na União Soviética, o governo patrocinou vários clubes amadores de paraquedismo
– e escolhia os membros promissores para servirem as forças armadas. Em
1932, já imaginando operações em larga escala, os soviéticos anunciaram
a criação da primeira Brigada Paraquedista. Em 1935, Stálin fez uma demonstração de força: 6 mil paraquedistas saltaram próximos a Kiev, no primeiro salto em massa da História.
Mas foi a Alemanha, a partir de 1933, que os paraquedistas ganharam impulso - mesmo com os alemães proibidos de ter força aérea, de acordo com o Tratado de Versalhes. Em forte intercâmbio com a União Soviética, formou-se naquele ano uma pequena unidade, a Landespolizei gruppe Berlin. Secretamente, era o primeiro grupo paraquedista alemão.
Em 1939, a unidade, agrupado junto à Flieger Division 7, já havia alcançado o status de batalhão, sob a batuta do general Kurt Student, o grande mentor desse tipo de assalto entre os nazistas. “Os alemães, mais do que ninguém, foram os grande idealizados das unidades paraquedistas, embora ela não tivesse condições operacionais de fazer nada significativo, depois da tomada de Creta”, diz a professora Mary. No entanto, a despeito das pesadas baixas, o sucesso do assalto foi tamanho que inspirou os Aliados a utilizarem suas próprias unidades em ações posteriores.
Ao final, todas as grandes
potências utilizaram paraquedistas em larga escala – geralmente em
ações duvidosas, que muitas vezes acabavam mal. Como artefato, a Segunda
Guerra Mundial permitiu o seu aprimoramento, criando um modelo muito próximo do que é utilizado até hoje